23/05/15

Uma questão de fé

Há coisas que servem de base à nossa condição como seres humanos, sobre as quais nunca nos damos ao cuidado refletir. Aceitamo-las, na generalidade dos casos, como uma espécie de um testemunho que nos é passado pelos antecedentes e o qual temos o dever de passar aos que nos procedem sem nos perguntarmos qual a sua razão de ser. É exemplo disto a “fé”.
 
Esta palavra tão pequenina e de significado tão amplo que nos é incutida desde pequenos, vai ficar gravada na nossa consciência até ao fim dos nossos dias e vai ser um dos grandes pilares da nossa orientação.
Quando nos apercebemos que essa fé assenta em alicerces de lama, corremos o risco de sentirmos um arrepio na coluna, como que a desfalecer, ou de ficarmos com a sensação de que tudo o que construímos, de um momento para o outro, se desmoronou como um castelo de cartas. Pelo menos, foi isso que aconteceu comigo.
É costume ouvirmos muitas frases com essa palavrinha, como, “A fé é que nos salva” e é curioso que nunca perguntamos, “De quê, ou, de quem?” Outro exemplo,  “É preciso ter fé.” E não perguntamos, “Em quê, ou, em quem?” E não o fazemos porque, automaticamente, a nossa consciência dá essas respostas.
Consultando um simples dicionário, teremos como significados da palavra “fé” o seguinte:
  1. Crença absoluta na existência ou veracidade de certo facto; convicção íntima
  2. Compromisso de fidelidade à palavra dada; lealdade 
  3. Confiança absoluta (em algo ou em alguém); crédito 
  4. RELIGIÃO adesão aos dogmas de uma doutrina religiosa considerada revelada 
  5. RELIGIÃO (catolicismo) primeira das virtudes teologais, graças à qual se acredita nas verdades reveladas por Deus 
  6. Qualquer crença religiosa; religião 
  7. Comprovação de um facto; prova 
Como fui educado na religião cristã, na qual cumpri todos os sacramentos, a fé a que me quero referir é a que vem nos números 1, 3, 4, 5, e 6.

Depois de ter visto  o documentário “MEA MÁXIMA CULPA: SILÊNCIO NA CASA DO SENHOR”, eu que já tinha alguma aversão à grande maioria dos padres, fiquei a saber que afinal não são só os padres, toda a hierarquia da igreja não passa de podridão. E numa época em que as tecnologias podem fazer com que toda a informação chegue ao conhecimento das pessoas, acho estranho que, em vez de divulgarem e divulgarmos, até à exaustão, imagens de polícias a agredir adeptos de futebol, informação tão importante como esta, não seja divulgada, pelo menos, uma ou duas vezes, em especial nos canais públicos, porque, esta sim, é nojenta e deveria envergonhar qualquer católico.


Trata-se de um documentário que fala dos casos de pedofilia cometidos por padres católicos em todo o mundo, durante décadas, sempre com o conhecimento das mais altas esferas do vaticano, Papas inclusive. Nele são referidos todos os nomes dos visados, desde o insuspeitável João Paulo II, ao afável Bento XVI  e outra gentalha como essa, bem como o nome das pessoas (na altura crianças) violentadas por monstros da igreja sem que esta tenha mexido uma palha para, pelo menos, minimizar os estragos, muito pelo contrário, em vez de excomungar esses biltres, criou um fundo de vários milhões de dólares para comprar o silêncio das vítimas.


De futuro, far-me-á muita confusão ver multidões a ver e a ouvir qualquer papa na praça do considerado estado do vaticano, porque a julgar pelos últimos, que ainda assim, dizem que foram dos melhores, estão na presença de sujeitos que em vez de serem venerados, adorados ou idolatrados, deveriam ser julgados por crimes contra a humanidade. Creio mesmo que dessa praça já só lhe resta o nome.

Cativeiro


Arrasto-me sozinho entre a multidão,
de grilhetas nos pés a algemas nas mãos,
de olhos vendados e sem saber quem sou,
sem saber d’onde venho nem p’ra onde vou.

Almejo um ermo fleumático para abrigo,
a solidão e o esquecimento como amigos,
ser eu, de mim mesmo, o carcereiro
duma cela onde me farei prisioneiro.

E assim, isolado e acorrentado,
de tudo e de todos ostracizado,
gritarei até fazer do meu clamor

um sussurro p’lo universo espalhado,
como suplício, a algum deus apiedado
p’ra que me oiça e afaste este torpor.

Joel Mendes

19/05/15

Desencontro

Rezo em silêncio as minhas orações,...
penitenciando-me dos meus pecados,
das minhas desventuras.
E perco-me no meio das multidões,
de seres como eu, desencontrados
das suas venturas.



Descerro a cortina que me envolve,
para ver p’ra’lém de mim,
p’ra’lém do além,
e tudo o que vislumbro se dissolve
como um sonho que chegou ao fim
com desdém.


E eu que pensei que o vazio era vazio
de esplendor, de beleza, de felicidade,
de coração...
É o porto de abrigo do meu navio
que deu à costa co’a tempestade
em dia não.


Joel Mendes