18/12/12

Refundar, refundir ou refo...


Não vale a pena… O discurso de retórica, cínico, mentiroso e codificado dos nossos políticos a que assistimos todos os dias, pelo menos enquanto este povo estiver anestesiado com futebóis, novelas, bigbrother’s e espetáculos do tony carreira, há-de continuar.
Quando há uns tempos ouvi, o que se designa por ser o primeiro ministro do nosso país, falar em refundação do memorando de entendimento veio-me à ideia o verbo refundar e com ele o verbo refundir e logo a seguir o verbo refo.... Isto porque imaginei que se me questionassem se eu concordava com essa tal refundação, iria ter algumas dificuldades na resposta, tal é a confusão que eu faço com alguns tempos verbais. Não sei se responderia: concordo, refundemos pois esse tal memorando, ou, está certo, refundamos lá isso, ou ainda, refo..... tudo o que você quiser e até a p. que o pariu.
Se quer brincar, porque não brinca com os da sua laia? Você não vê que não tem legitimidade para refundar, refundir nem refo... nada? Se quer refundar o quer que seja, porque não propõe um referendo ao povo português? Hã? Entendi. Porque o considera estúpido e ignorante! Pudera…
Acaso tinha no seu programa eleitoral refundar, refundir ou refo... alguma coisa? Claro que não. Sabe você que a maioria do povo português não tem nenhum representante na casa que vocês, políticos, designam por assembleia da república, (mas que não passa de um circo) porque a vossa classe não lhes merece nenhum crédito? Pois, é que entre abstenções, nulos e brancos contaram-se 45% e você não está a representar mais do que 39%. Diga-me, qual é a sua legitimidade para refundar, refundir ou refo... o quer que seja?
Vai por si ou quer que o mande? Refo.....!

05/07/12

A união faz a força


“Dois dos seis piratas do ar foram espancados até à morte pelos passageiros e pela tripulação do avião” anunciavam na TV. Rapidamente me veio à lembrança o filme Voo 93 baseado nos acontecimentos do célebre 11 de Setembro, aquele em que os piratas pretendiam fazer embater o avião contra o Capitólio, e que só não o conseguiram porque a coragem e o patriotismo da tripulação e dos passageiros não o permitiram, evitando assim uma mortandade muito maior do que a que aconteceu.

Quem dera que este seja um sinal de uma verdadeira mudança de vontades. Quem dera que este gesto fraterno anime as hostes de bom senso para que se libertem do medo mesquinho que as acorrenta e faz reféns de meia dúzia de facínoras sem escrúpulos que, se preciso for, são capazes de cozinhar e comer a própria mãe. Quem dera que este seja o clique que abre a página das consciências daqueles que, cobardemente, se têm alheado de agir em defesa dos que ficam à mercê de gentalha que nem o tempo de vida de um efemeróptero adulto merecia.

Senti-me confortado com a notícia e só senti pena de não terem espancado os outros quatro da mesma forma.

07/05/12

Qual é o problema?


Era de raça preta o jovem que entrou para o autocarro numa das paragens entre a Cova da Piedade e o Laranjeiro. Equipado com um fato de treino do Sporting, calçado com uns ténis de marca, e de saco com o emblema do Sporting a tiracolo, parecia que vinha ele de um treino deste clube. O condutor do autocarro era também de raça preta, mas de um preto ainda mais carregado do que o jovem. Ao subir para o autocarro, o jovem sentiu o olhar do condutor cravado em si, mas não se descompôs; seguiu o seu caminho com a maior descontração do mundo e foi sentar-se numa das cadeiras por detrás da cabine do condutor. Este deixou passar alguns segundos e, olhando pelo retrovisor, perguntou: “Então, jovem?” O jovem que estava de costas, virou-se ligeiramente de lado e retrucou com o ar mais inocente alguma vez visto “Então o quê?” “Não há passe, não há bilhete, como é?" Indagou o condutor. Com toda a calma, o jovem levantou-se do seu lugar e aproximou-se do condutor e disse (…) “Então, porque não disseste logo?” Continuou o condutor. E o jovem desculpou-se (…) “Rua.” Ordenou o condutor. (…) Pediu o jovem. “Rua, já disse.” Insistiu o condutor “Porra para esta merda…” grunhiu o jovem escarrando para o chão da calçada enquanto descia do autocarro.

05/05/12

De regresso a casa


Estive a trabalhar durante a noite. Foram 12 horas (das 21 às 09) sem pregar olho. Ainda zonzo e cambaleante, saí à pressa e nem me lembrei que iria ser difícil aguentar, sem urinar, as cerca de 2 horas que em geral levo a chegar a casa, porque, muito embora não seja grande a distância, o trajeto é labiríntico: começo por apanhar boleia do meu local de trabalho até ao autocarro que me vai levar ao barco a Cacilhas. Aí apanho o cacilheiro para atravessar o rio. Uma vez no Cais do Sodré, se tiver tempo suficiente, palmilho a pé os aproximados 2 km que distam a Sta. Apolónia, se não, apanho o metro. De Sta. Apolónia a Alverca o comboio demora 15 a 20 minutos, depois é só andar mais 7 minutinhos a pé, e voilá, estou em casa.

Ora, estava eu a chegar a Cacilhas quando a minha bexiga me informou que precisava de ser despejada. Ao entrar no barco “O Lisbonense”, como é um barco de construção recente e de maiores dimensões que os anteriores, em vez de estar a perder tempo, dirigi-me a um dos tripulantes e perguntei: “Desculpe, pode informar-me onde são as casas de banho?” ”São no piso superior na parte mais a ré do barco.” Respondeu-me. Subi. Lá estavam. Só que estavam fechadas. Na porta, podia ler-se numa pequena placa metálica, a seguinte inscrição: “Durante a viagem, solicite a chave ao marinheiro de serviço.” Ainda experimentei a que se destinava aos deficientes, mas também essa estava fechada. “Estarão fechadas porquê?” Interroguei-me. Desci as escadas e, ao ver-me, o funcionário que me tinha dado a informação, abeirou-se de mim. Sabia que eu não tinha tido tempo para fazer necessidades. “Então?” Sibilou. “Está fechada.” Retorqui. “Mas a das senhoras está aberta!...” Observou ele num tom de uma frase inacabada e a pedir um LOL. Entusiasmado com a lição, segui-o escada acima. “Afinal a das senhoras também está fechada, se não, podia servir-se dela, uma vez que dá para trancar por dentro, mas uma vez que estou aqui, abro-lhe a dos homens.” Considerou. “Muito obrigado.” Respondi. Quando entrei fiquei desconsolado. Tinha imaginado uma casa de banho limpa e que, pelo menos, tivesse um rolo de papel higiénico, e talvez isso justificasse, um pouco, o porquê de estar fechada, mas nem uma coisa nem outra.

Como um azar nunca vem só, depois de mijar, surgiu-me a vontade de cagar. ”E agora?” Perguntei-me. Apalpei os bolsos e só encontrei um lenço de assoar o nariz. Em esforço e de cócoras, evitando o contacto com as bordas conspurcadas da sanita, lá fiz sair o cagalhão causador do meu reboliço intestinal. Com o guardanapo, limpei o rabo o melhor que pude. Carreguei no botão do autoclismo que, supostamente, deveria fazer jorrar um jato de água para arrastar consigo os detritos depositados e, em vez disso, ouvi um estalido seco parecido com o de uma pressão de ar acabada de desferir um chumbo. Abri a torneira que estava num dos cantos da casa de banho, passei as mãos num pequeno fio de água que, casualmente, escorria e saí secando-as nas calças.

09/03/12

O desassossego do cão


Passaram de salto a fronteira, deixando para trás as mulheres e os filhos que visitavam no natal ou no mês de agosto. Imigraram para o Alentejo em busca de uma côdea que lhes matasse a fome. Dormiram noites a fio ao relento com o céu a servir-lhes de teto e as estrelas de candeias, maldizendo a sua situação, e nunca os causadores dela. Trabalharam arduamente vidas inteiras de sol-a-sol, quase sempre descalços e muitas vezes atolados em água até aos joelhos. Viram os filhos e os pais a morrer de tenra idade e acharam isso normal. Passaram muita fome e muito frio. Partilharam uma sardinha por três e um ovo por dois. Amaram-se às escuras. Tiveram filhos sem saber porquê, gerados sem saber como. Caminharam quilómetros sem fim. Trabalharam até ao meio-dia com uma côdea de pão e um gole de bagaço. Acreditaram em tudo o que a igreja lhes disse e os homens maltrataram as esposas. Pagaram aos senhorios mais de três quartos da produção das terras. Se sonhos tiveram, foram de gado, mato, estrume, sementeiras, colheitas e afins. Foram à missa ao domingo agradecer a vida que levavam. Venderam parte das terras para curarem doenças incuráveis e ficaram sem as terras e sem a vida. Tiveram uma vida a levantarem-se muito antes do sol e a chegarem a casa muito depois de ele se deitar.

Agora que a força é pouca, deitam-se antes do sol e levantam-se depois dele (quando levantam). Têm um cão por companhia, porque os filhos (tantos que eram!) deixaram de ter umas horas para lhes dispensar. E esperam, esperam não sabem o quê. E cada dia que passa não é mais do que isso. Ah, que saudade da sardinha, do ovo, do frio e da fome…

Um dia destes, só os movimentos estranhos do cão e o cheiro fétido dos seus corpos irão fazer notar aos vizinhos que o seu último sopro foi há cerca de uma semana na solidão dos seus ais.