17/08/10

Alguém que explique



  1. Vivemos sob um sistema político denominado “Democracia”.

  2. A democracia é um sistema político representativo (do povo).

  3. O povo elege para seus representantes aqueles que considera terem capacidades (morais, intelectuais, blá, blá, blá) para os representarem.

  4. Os representantes do povo, baseados na lei fundamental, zelam pelos direitos e deveres dos seus representados.

  5. Um dos artigos primeiros da lei fundamental, diz que são tarefas fundamentais do estado – leia-se governo (s) – entre outras, a seguinte: d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais.

Perante isto, algumas perguntas:


  • Se vivemos numa democracia e todos os nossos representantes se dizem democratas, porque é que quem governa está sempre em desacordo com quem não governa e vice-versa?

  • Porque é que uns políticos acusam os outros de não serem capazes de implementar um modelo económico que resolva os reais problemas das pessoas, quando já temos 36 anos de democracia, já todos governaram, e nunca houve nenhum modelo económico capaz?

  • Vistas bem as coisas, quem é que os representantes do povo representam?

  • Porque é que quem governa (ainda que em minoria) tem sempre razão (sob o pretexto de que foram eleitos para governar) e quem não governa nunca tem razão?

  • Quantos anos são precisos mais de democracia, para que os representantes do povo ganhem maturidade política (se assim quisermos chamar-lhe)?

Reflexão
Por mim, alinho pelo demagogo alberto joão jardim: “isto já só lá vai com uma revolução”. Sim, porque o que tínhamos como melhor arma desta famigerada democracia – o voto – neste momento, não é mais que pólvora seca.

15/08/10

A tília

Flash 10

Quando o sol acorda e se levanta ao cimo da povoação, faz embater os seus raios naquela tília de cinco grossos caules e de copas muito altas, provocando uma sombra que atravessa a estrada e palmilha uns bons passos no terreno do tio Manuel, sombra essa que vai ganhando novas formas, consoante a hora do dia e a consequente mudança de direcção. Por volta das duas ou três horas da tarde, os agraciados com essa magnífica sombra são os moradores de uma casa que fica ali a escassos metros, o senhor Amaro, que é agente da guarda nacional republicana, a senhora Laura, que é costureira, e os filhos José e Zita que têm oito e seis anos respectivamente.

Joel é um miúdo de sete anos e é vizinho desta família. Como o José e a Zita são praticamente da sua idade, é com eles que costuma brincar a maior parte das vezes. Diz-se apaixonado pela Zita e marca sucessivos encontros com ela para namorarem. Têm até um esconderijo secreto numa vala contígua a uma garagem ali próxima, debaixo de uns ramos de pinheiro. Por vezes, ali estão eles dando beijinhos, fazendo de conta que não ouvem, se alguém chama por eles.

Estamos num dia de verão, são quase quatro horas da tarde e Joel encaminha-se, descalço e em tronco nu, com o seu jeito desengonçado, para mais um encontro com Zita, que o espera debaixo da tília. Pelo caminho cruza-se com a senhora Márcia. “Olá, Joel, não serias capaz de trepar àquela tília e apanhar-me umas folhas de chá?” Disse ela ao gaiato, estendendo-lhe um saco de plástico. O garoto, ao ver ali uma excelente oportunidade para demonstrar os seus dotes de trepador perante a sua amada, nem pensa duas vezes. “É p’ra já!” diz ele contente. Chegado à tília, lança um sorriso à namorada, agarra-se a um dos troncos e, com a destreza de um gato, em poucos minutos, já está num dos pontos mais altos da majestosa árvore. Volvidos alguns instantes e já com o saco cheio, desce com a mesma velocidade com que subiu. Vem, talvez, a meio do percurso e, oh desgraça… o que é que aconteceu? Foi o saco que ficou preso em algum lado, ou foi ele que colocou mal um dos pés e escorregou? Vejo-o saltar de ramo em ramo, completamente desamparado. Oh deus, o saco acaba de cair no chão e, não tarda, cai ele também. Olho para cima e vejo-o pendurado, dobrado de barriga para baixo, num dos ramos do fundo. A senhora Márcia já chora e lamenta-se de ter tido tão infeliz ideia Felizmente, não sofreu mais do que uns simples arranhões. Zita, no entanto, acaba de chamar a mãe para o que der e vier.

Mas eis que Joel acaba de descer, sem ajuda de ninguém e até parece que nada aconteceu.

14/08/10

Sonho

O retrato é paradisíaco. O casal passeia num vale ladeado de pequenos montes, formando como que uma muralha de protecção. Ele com o braço esquerdo à volta do seu pescoço, ela com o braço direito enlaçando a cintura dele. À sua frente o pequeno rebento de oito anos pula ufano, arremessando pequenas pedras para a água de um pequeno riacho de águas límpidas que corre sereno mesmo ali ao lado, acompanhando os seus passos e abafando com o seu marulhar, o tom das suas vozes. Acima das suas cabeças, o céu forma uma abóbada completamente azul. Dir-se-ia que vivem um momento de extrema felicidade. Atrás deles, um homem dos seus quarenta e poucos anos observa-os, feliz, por ver tanta felicidade.

Aproveitando um momento em que o garoto se abaixa para apanhar algumas pedras, o desconhecido aproxima-se e, abrindo as pernas, salta por cima dele. O miúdo, que não gosta da brincadeira, olha espantado para o intrometido e dirige um ar interrogador para os pais. Estes apartam-se num segundo e, no segundo a seguir, já o pai profere estas palavras: “Seu estúpido…” O estranho, nem sabe como reagir. Experimenta passar a mão na cabeça do pequeno para lhe pedir desculpa, mas ele esquiva-se e corre a chorar em direcção aos pais e, quando a família, já toda abraçada, se encontra a uma distância de cerca de dois metros do causador do fim de tão fugaz momento de felicidade, este desculpa-se da seguinte forma: “Peço desculpa, é que por momentos, vi no vosso filho uma das minhas filhas quando eram mais pequenas e não resisti à tentação de brincar com ele, como sempre fiz com elas. Não quis de forma alguma expô-lo ao ridículo.” Perante estas palavras, os pais entreolham-se, fazem mea culpa e dizem que compreenderam mal o gesto, ao mesmo tempo que pedem ao filho para dar um beijo ao senhor. Para deleite do estranho, o garoto assim faz.

E o céu continua azul e o rio ali está, acompanhando os seus passos e os montes continuam a servir-lhes de muralha de protecção.