22/02/11

O homenzito


Flash 12
É 6ª feira dia 12 de Agosto. Amanhã o puto completa 13 anos de idade. São 6 horas da matina, e o pai acabou de o chamar, a ele e aos irmãos, para ajudarem na arranca da batata de um dos tios. Vão cedo para fugirem ao calor que se prevê chegue lá para o meio-dia.
Até há bem pouco tempo, ao miúdo não lhe era permitido arrancar batatas junto dos homens. Era empurrado para junto das mulheres que iam apanhando e ensacando as batatas arrancadas, tendo o cuidado de as separar em quatro lotes: o das mais gradas, o das mais miúdas, o das cortadas e o das apodrecidas, se as houvesse. Agora que começa a ser um homenzito, há que aproveitar a sua força. E ei-lo de enxada aos ombros junto do pai e dos irmãos mais velhos todo vaidoso.
Pensavam serem os primeiros a chegar, mas não, a avó e dois tios fizeram questão de marcar presença ainda mais cedo e, pelo menos, dois regos de batateiras já foram arrancados. Por cima da terra húmida, já se vêem espalhadas algumas batatas de cor vermelha.
O pai saúda os presentes com um: “Deus vos ajude.” Os presentes saúdam os recém-chegados com um: “Venham com Deus.” “Tem podres?” pergunta o pai. “Nem por isso” respondem os outros. “Graças a Deus” ouve-se quase em coro.
Vai chegando cada vez mais gente, tanto arrancadores com apanhadores. Os primeiros ocupam o respectivo lugar consoante são direitos ou esquerdos a pegar na enxada, os segundos juntam-se às mulheres e crianças a apanhar e a ensacar. Fica-se com a sensação de que antes do meio-dia não haverá batatas debaixo da terra.
São 9 ou 10 horas da manhã? O irmão do miúdo, que tem vindo a arrancar batatas ao seu lado, não tem bem a noção porque, sem querer, e numa altura em que se abaixava para apanhar as batatas que tinha arrancado, sentiu o tilintar da enxada do puto no coruto da sua cabeça.
Momentaneamente, quase perdeu a noção do tempo e das coisas, mas teve ainda tempo para reparar que o pequeno quase desfalecia de angústia. A bem dizer, fica por esclarecer qual dos dois ficou mais mal tratado.
Foi ele, pois que, não obstante o seu estado de alma, acaba de receber um chapadão do pai, atitude que só pode ser considerada como um acto irreflectido e impensado. “Não vês o que fazes?”
Enquanto o gaiato enxuga as lágrimas provocadas, não tanto pela chapada, mas pela culpa sentida por ferir o irmão, este já vai a caminho do hospital de Viseu no carro do padrinho para levar dois ou três pontos e regressar daqui a pouco, numa altura em que já todas as batatas estarão arrancadas e arrumadas.