16/02/10

Da política à ciência política

Da Política da antiga Grécia, mais não temos do que pequenos resquícios. Hoje temos a denominada ciência política.
O cidadão comum, perguntará, e com razão: "Mas que ciência? Estuda o quê?" Se consultarmos algumas enciclopédias encontraremos uma série de respostas bem diferentes das que o conhecimento empírico nos fornece e esta é a que poderemos considerar como a mais fiel. A ciência política, não é mais do que a ciência que se ocupa do estudo sobre a arte de enganar o próximo. E, diga-se em abono da verdade, que é uma das ciências que mais se tem desenvolvido nos últimos anos.
Não, não me refiro ao impulso dado na verdadeira separação de poderes, com a consequente isenção e imparcialidade do poder judicial, ou de uma assembleia verdadeiramente representativa, refiro-me sim à fabricação dos individuos que servindo-se da política, exercem os mais elevados cargos da nação.
Para se fabricar um político são precisos vários profissionais. A arte de enganar, se em muitos casos já nasce com a pessoa, na maior parte deles, é preciso algum suor para se conseguir o diploma, mas conseguem-se resultados brilhantes. Um bom político consegue fazer com que o cidadão comum acredite na maior mentira como se fosse a maior das verdades, tal é o ar de sinceridade que ele é capaz de lhe imprimir. Tudo é visto com rigor: os gestos, o tom de voz, a dicção, a repetição, o sorriso, a roupa, o público alvo, o timing etc. etc.
Os cargos políticos, que deveriam ser os mais nobres e mais importantes de uma nação, e que, por isso, na minha opinião, deveriam ser os mais bem pagos, acabam por tornar-se nos mais sujos e de mais fraca credibilidade. A política não é feita com o intuíto de resolver os problemas dos cidadãos, mas sim com o objectivo descarado de assumir o poder e de com ele se vangloriarem arrogantemente nas cadeiras e nos corredores da assembleia da república. De resto, como é que os senhores políticos podem resolver os problemas dos seus representados se nem o significado sabem de palavras tão simples como frio ou fome.
Mas o que é mais interessante observar, é o facto de as pessoas que formam este povo, em vez de estarem atentas às artimanhas que estes malandros usam para nos ludibriarem, distraem-se a ver programas de caca, divulgados em meios de comunicação social manipulados por esses mesmos políticos. José Saramago escreveu uma obra intitulada "Ensaio sobre a cegueira", onde pretende alertar a sociedade que está a encaminhar-se irremediavelmente para o abismo, mercê da sua própria cegueira. Eu acho que ele tem razão, as pessoas não enxergam mais do que um palmo à frente do seu próprio nariz e daí o estado lastimável em que nos encontramos.
Trinta e seis anos após a conquista da denominada democracia em Portugal, já deveríamos ter uma classe política com uma cultura mais responsável no que diz respeito aos reais problemas do povo que representam, no entanto, o que é que temos? Continuamos a assistir a jogos de poder infantis com o objectivo claro de auto-promoção e de domínio sobre os outros. Exemplos claros do que acabo de dizer: Recordo-me da candidatura de Manuel Alegre à presidência da república. Candidatou-se sem o apoio do PS, encostando-se ao que apelidou de movimentos de cidadania. Devo dizer que na altura achei que só um poeta poderia ter uma atitude tão digna e tão íntegra, mas rápido percebi que estava completamente enganado. Repare-se nas suas normas de conduta: Já se zangou com o líder do partido, manifestou-se contra as principais linhas de rumo da sua própria bancada, aliou-se ao BE num jantar de confronto de ideias e, a quando das últimas legislaltivas abraçou José Socrates perante as câmaras da televisão manifestando o seu apoio a uma política de esquerda possível. Isto sim, é ciência política!, este jogo sujo e descarado, com a intenção de chegar ao mais alto cargo da nação. Vale tudo... Agora recandidata-se à PR e fica à espera que o outro lhe devolva o abraço. Esperemos para ver o que acontece. Enquanto isso, assistimos impávidos e serenos. Veja-se, por outro lado, todo o teatro em volta do OE para 2010. Afinal o que somos nós nesta peça? Nada. Ou melhor, somos uns cordeirinhos que por ocasião das eleições nos dirigimos em rebanho às mesas de voto eleger esta cambada de mentirosos e ladrões. Se temos os nossos representante, se temos uma assembleia da república, porque é que não podemos assistir à discussão do OE? Porquê todas as jogadas de bastidores? Escondem-nos o quê? Porquê?
Oh maldita democracia!...

04/02/10

Páscoa

Flash 8
O quarto não tem mais do que 6 ou 7 metros quadrados, tem, no entanto, uma pequena janela por onde eles se evadem altas horas da noite para se juntarem aos outros miúdos da sua idade. Das paredes, onde a eterna imagem de um Papa qualquer jaz pendurada, começa a soltar-se uma pequena película branca resultante de uma tinta cansada de cobrir o barro que as forma. Incansável e imperturbável também se mantém, alheio ao tempo, um rosário de grandes contas pretas, que parecem ser de ébano ou de uma madeira parecida. Dada a exiguidade do quarto, a cama está encostada a uma das paredes. No colchão de palha, agora um pouco curtida por não ser substituída há já algum tempo, divertem-se os dois irmãos, João e Manuel, com 9 e 7 anos de idade respectivamente, enquanto esperam pelo sono ou pela oportunidade de sair pela janela. A parede onde a cama está encostada é contígua ao quarto dos pais. Dela ressoam gemidos abafados que eles não conseguem descortinar se são oriundos do ranger da cama, de gritos estrangulados de um momento de sexo ou das duas coisas.

O tempo é de quaresma, um tempo que há-de ficar bem vincado na memória destes dois miúdos. Para já, e porque o domingo de Páscoa ainda vai levar 40 dias a chegar, aproveitam o aconchego dos cobertores para "engancharem". O que é isso? Pois bem, entrelaçam os dedos mindinhos das mãos direitas formando dois elos, ao mesmo tempo que dizem: "Enganchar, enganchar para no domingo de Páscoa te mandar rezar, reza." Fica assim celebrado um pacto que tem como objectivo final a conquista de um pacote de amêndoas do tamanho que for acordado entre ambos. Ganhá-lo-á quem, depois da meia-noite de sábado da aleluia, isto é, o sábado que antecede o domingo de Páscoa - também chamado sábado maior sem que eu saiba porquê - disser ao outro a palavra "reza". Mas este enganchar, não é só feito entre eles, engancham também com quase todos os primos e é com estes que a coisa tem graça, porque quando chegar o dia, acordam ao cantar dos galos, agarram em dois cobertores e vão-se colocar em pontos estratégicos para dizerem alto e bom som: "reza", mal vejam os primos assomarem à porta.
Antes, porém, terão todo o cuidado para não comerem carne às sextas-feiras nem na quarta-feira de cinzas para não caírem na desgraça de cometerem um pecado mortal. Comê-la-ão aqueles que tiverem pago a "bula" ao senhor prior. Esperarão com ansiedade pelo domingo de ramos para, com a devida antecedência, fazerem uma visita aos ramos de loureiro das redondezas a fim de se certificarem dos que são mais perfeitos em galhos e flores, já que, na véspera desse domingo, munir-se-ão de uma pequena machada e de um canivete para os ir buscar. Depois enfeitá-los-ão com pequenos rebuçados da marca "provir" e pequenas tangerinas. No domingo de ramos a igreja parece uma verdadeira floresta. Não há quem não tenha um ramo de loureiro ou de oliveira na mão. São ramos de todas as formas e feitios. Os mais fortes levam verdadeiras árvores, como é o caso do tio Benilde e do tio Zé Plácido que por hábito empunham um ramo que varre as barbas ao S. Tiago que se encontra num dos pontos mais altos do altar.
Depois, virá o domingo de Páscoa. Por norma é um dos dias mais bonitos e felizes do ano. O padre desloca-se a pé com a sua comitiva, empunhando um grande crucifixo, para o dar a beijar a todas as famílias. Seguem-no várias pessoas entoando cânticos de aleluia. Os mais pequenos, como é o caso do João e do Manuel desdobram-se em esforços para conseguir visitar o máximo de casas a fim de angariarem a maior quantidade possível de amêndoas, que comerão nos dias seguintes. Acabada a visita pascal, as pessoas juntam-se no meio da povoação para fazerem vários jogos e dançarem ao som de um pequeno gira-discos colocado no parapeito de uma janela.

O banco do autocarro

Saiu mais cedo do trabalho e foi apanhar o autocarro à Cova da Piedade. Entrou no autocarro, obliterou o bilhete e quando ia para se sentar reparou que, mesmo ali nas barbas do motorista se encontrava uma tipa com os pés em cima do banco. Não dava para perceber muito bem que idade teria. Era uma pessoa obesa que mascava uma pastilha elástica a fazer lembrar uma vaca na fase de ruminação e que tresandava, qual porco empestado de excrementos. Virou-se para ela e perguntou "Posso sentar-me? E ela respondeu "Com tanto lugá vazio, tinha logo que vi pa est'aqui?" O motorista assistia à cena olhando de soslaio para o espelho retrovisor, mas não interferindo. "Pois, mas este é o lugar onde eu me quero sentar, que por acaso está todo sujo porque voçê pôs as suas delicadas patas em cima dele" Disse ele. "Pôa, olh'agora, qués vê" cuspiu ela. Depois de ela ter tirado os chispes de cima do banco, ele colocou-se de pé mesmo na sua frente. As outras pessoas que iam no autocarro acenavam afirmativamente com a cabeça enquanto o revisor desviava o olhar do retrovisor para se fixar na estrada e na condução.