06/01/10

Ver passar o combóio

É sabido que a maioria dos comboios suburbanos da CP que fazem o trajecto Azambuja/Lisboa, (os verdes de dois andares) não oferecem o mínimo de condições a quem neles viaja: O espaço entre bancos é tão reduzido que as pessoas quando se sentam ficam a embarrar com as pernas uns nos outros (já sentados, vêem-se obrigados a levantar-se sempre que uma pessoa se quer sentar ou sair do lado das janelas); não existem espaços para os passageiros colocarem uma pequena bagagem; não existe uma casa de banho e, como se isso fosse pouco, em geral, e devido à falta de educação e respeito que grassa por este país, por vezes parecem espaços onde acabou de se realizar uma feira, tal é a quantidade de lixo. Em suma, davam uma belas coelheiras.
Mas a falta de condições dos comboios não deveria servir de pretexto para determinados comportamentos como eu vejo no dia-a-dia que, na minha opinião, resultam de uma questão cultural, da qual não sei se alguma vez conseguiremos libertar-nos: falo dos pés em cima dos bancos, dos "head-phones" nos ouvidos com aquele tch tch irritante, das pessoas a falarem num tom de voz que dá a ideia de que são surdos, ou então que fazem questão que toda a gente saiba do que falam, dos telemóveis que não param de tocar, das pessoas que para falar ao telemóvel necessitam de falar em altos "berros", enfim, fica-se com a ideia de que vivemos num mundo onde a palavra "respeito" teima em impor-se. Depois, se alguém se mostra indignado com algumas das situações que referi, ouvem-se os seguintes desabafos: "Porra, parece que acordou mal disposto." ou "Por acaso o comboio é seu?" ou ainda "Arre, que você é chato com'ó caraças,"ou ainda pior "Não tem mais com quem marrar?"
Mas, na minha opinião, esta não é a maior tristeza, o que é realmente triste é não sabermos a quem devemos dirigir-nos para reclamarmos dos nossos direitos. Ninguém tem autoridade para fazer cumprir nada. Neste caso concreto, os revisores deveriam ser a autoridade dos comboios mas, não sei se por medo se porque eles próprios não têm educação, qualquer "puto" de 14 ou 15 anos faz deles o que quer.
A este propósito, apetece-me contar um dos muitos episódios a que assisti. Ia eu sentado mais ou menos a meio de uma das carruagens, entregue à minha acostumada leitura quando ouvi, vindo de próximo de uma das portas uma música qualquer que, não sendo de som demasiado elevado, fazia-se ouvir em toda a carruagem. Tratava-se de um jovem que estava a ouvir música com o seu telemóvel. Uns minutos depois, vi passar por ele dois agentes de segurança. Passaram. Uns instantes depois, chegou junto de mim o revisor, depois de ter passado pelo dito jovem e sem nada lhe ter dito. Perguntei-lhe: "Qual é o seu papel aqui dentro?" Respondeu-me: "Porquê?" Continuei: "Então o senhor tem a coragem de passar por um indivíduo que está a perturbar toda a gente aqui nesta carruagem e não lhe diz nada?" Resposta pronta do senhor revisor como se isto fosse uma norma de conduta: "Eu não lhe posso dizer nada, porque não existe nada escrito aqui no comboio que proíba ouvir música." "Ah é? Então da próxima vez que eu viajar de combóio, vou trazer um rádio Tijolo com o som no máximo para ver se o senhor gosta." Disse eu verdadeiramente zangado. E ele respondeu-me: "Isso não é a mesma coisa."
Ai país, país...