11/07/10

O vigilante

Flash 9

A mãe dele não cabia em si de contente. Estava quase a completar as luas necessárias à sua gestação e ela, sempre convencida de que iria dar à luz uma menina, distribuía sorrisos e mostrava-se amável com toda a gente. Como já tinha três filhos, acreditava que Deus não lhe iria fazer a desfeita de lhe dar outro rapaz. Por isso a desilusão foi enorme, quando naquela noite de Fevereiro, entre choros, gemidos e de muita confusão, ela viu que afinal Deus não era seu amigo. O esmero e a dedicação que teve a fazer antecipadamente as saiitas e os vestiditos, acabaram por tornar-se gestos de fraca premonição. Ficou de tal forma zangada com Deus que nos primeiros dois ou três anos de vida, o miúdo não vestiu outra roupa que não fosse de menina.


É claro que as crianças são imunes às convenções dos homens e para Amândio, assim se chama o miúdo desta história, tanto fazia vestir uma saia ou umas calças; nunca se sentiu ridicularizado nem ferido na sua auto-estima, por isso brincava, indiferente às críticas e aos olhares zombeteiros das pessoas do povo. Vejo-o sentado ao cimo do quintal, de pernitas ao léu, desenhando na terra um quarto de círculo com a mãozita rechonchuda.

Um dos irmãos vigia-o enquanto faz os trabalhos da escola. Por certo, estarão também todos os elementos do universo de olho nele.

O fundo do quintal confronta com o caminho público com um muro que tem mais ou menos dois metros de altura. Do lugar onde Amândio se encontra até lá, não são mais de trinta metros, distância que ele, a gatinhar, demora um ou dois minutos.

Não sei como é que o irmão se descuidou, o que é facto é que a criança, qual serpente rastejante, já está à beira do muro, ao fundo do quintal, prestes a mergulhar para o caminho, como se de uma piscina se tratasse e, se não fossem os ditos elementos, a esta hora, não estaria nos braços da D. Marceana que, providencialmente, por ali está a passar e acaba de o apanhar da calçada ileso; não se vislumbra nem um pequeno arranhão. Felizmente que o irmão, com pouco mais de dez anos, nem sequer teve a noção da sua irresponsabilidade e, Amândio, daqui a pouco, vai continuar a brincar na terra, com o cão e com os gatos.

03/07/10

Guichet Nº 7

– Desculpe, pode dar-me uma informação, por favor? – Perguntou João com cortesia.
– Hã? – Balbuciou o outro do outro lado do vidro, no guichet número 7 da estação de Santa Apolónia, sem tirar os olhos do monitor que tinha à sua frente.
– Gostaria que me informasse se existem autocarros a assegurar os serviços da CP daqui para Alverca.
– Tem todas as informações que deseja neste panfleto. – Disse o outro, apontando com o dedo indicador esquerdo para um papel colado no vidro e continuando a olhar para o monitor que ficava um pouco para o seu lado direito.
– Olhe lá, seu cabrão de merda…
– O quê? O que é que você disse? – Berrou o outro olhando para João de frente, soltando gafanhotos e mudando de cor.
– Ah, afinal você é mesmo cabrão!... Meta todas as suas informações pelo cu acima. – Rematou João virando-lhe as costas.