28/01/13

O nosso compartimento


Trinta e oito anos passaram depois de nos termos libertado da mordaça. O 25 de abril de 74 prometia-nos um futuro de liberdade, prosperidade, fraternidade e muitas outras coisas terminadas em ade. Passámos a eleger livremente aqueles que iriam ser os nossos representantes de 4 em 4 anos, e às vezes sem ser necessário tanto tempo. Em 1983, ainda não eram volvidos 10 anos, já não tínhamos dinheiro para mandar cantar um cego, o estado estava falido e houve necessidade de recorrermos a empréstimos exteriores e de pedir ao nosso miserável povo que compreendesse e colaborasse nessa emergência nacional. Daí para a frente outras eleições houve, outros foram os escolhidos para nos representarem e governarem. Desta vez a emergência nacional levou mais tempo a chegar. Foram cerca de 19 anos, isto é, o dobro do tempo da primeira, mas também duplamente perigosa e duplamente catastrófica. Aos poucos vamos compreendendo que as vacinas começam a ser ineficazes para aguentar o moribundo com vida. É uma questão de tempo.
Não será tempo de nos interrogarmos do que poderá estar por detrás de toda esta doença? Tudo bem, todos nós sabemos que temos uma classe política abaixo de medíocre, que o cavaco não é melhor do que o soares, que o guterres não é melhor do que o cavaco, que o durão não é melhor do que o guterres, e assim por diante. Sabemos que são todos iguais. É visível que temos aqui um grande problema. Mas será só este o problema? E será este o maior de todos os males? E nós como povo e como nação, não seremos um problema grave ou ainda mais grave?
A manifestação (15 Setembro de 2012) onde vi envolvida uma grande parte do nosso povo, (aproximadamente 1 milhão de pessoas?) deixou-me contente e triste. Contente por verificar que há tanta gente descontente com a situação em que nos encontramos. Triste por pressentir que a maioria das pessoas se manifestava em nome individual e não em nome coletivo.
Somos um povo compartimentado, de compartimentos estanques, sempre receosos que qualquer um dos outros compartimentos contamine o nosso.
Recordo-me do 25 de abril de 74. Dos cravos nas espingardas dos militares e destes fundidos na multidão que, em júbilo, os exaltava como heróis e libertadores. Como nós mudamos consoante os nossos interesses! Hoje os mesmos militares já não são heróis, são uma súcia de malandros, que só consomem e não produzem, e que, não obstante, são tratados com deferência relativamente aos outros cidadãos.
Todos sabemos o estado a que chegou o nosso sistema educativo. Depois de 20 e tal anos dedicados ao ensino, há professores a ficarem sem trabalho sem saberem como nem porquê. Estes professores vieram para a rua manifestar-se contra este ataque grosseiro ao sistema educativo, e nós, assistimos impávidos e serenos do nosso compartimento, a este desígnio que é dos professores e não nacional.
Mais simples do que isto. As escadas rolantes da estação de comboios não funcionavam havia uns dias. O elevador tresandava mais a urina do que uma casa de banho que não é limpa há oito dias. As pessoas com mais dificuldade de movimentos, subiam ofegantes os vinte e cinco degraus de escadas praguejando e injuriando o desconhecido, mas nem as pessoas se dirigiam ao funcionário da CP a comunicar a anomalia, nem o dito funcionário se dignificava a verificar se tudo estava em ordem; não fossem os compartimentos misturar-se…
Mas pior do que tudo isto, é quando nos pomos a discutir, sem sabermos o que dizemos, mas sempre com o objetivo de defendermos o nosso compartimento e sem nos importarmos se defecamos nos compartimentos dos outros.
Poderíamos ficar horas sem fim a dissertar sobre os compartimentos de cada um, mas basta…
Os políticos que nos governam têm na verdade muita culpa do estado a que chegámos, mas nós, povo, não merecemos muito mais, porque somos ignorantes, egoístas e hipócritas, e como nação somos uma aberração.