09/10/20

Populismo

 

O populismo aumenta na proporção da descredibilização do sistema democrático e das suas instituições. Quem é que dá crédito a agentes políticos que em 46 anos nada fizeram para combater a praga que, não obstante o esforço afadigado de um povo, faz com que os pobres estejam cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos, sendo a fatia dos pobres incomparavelmente maior do que a dos ricos? Falamos, é claro, da corrupção. Os populistas chegam ao poder porque as pessoas (o cidadão comum, aquele para quem a política se resume a um exercício de governantes e governados, onde os primeiros deveriam zelar pelo bem-estar dos segundos) cansam-se e perdem a fé um dia acalentada na vã esperança de que, mais dia menos dia, a honestidade será o que mais caracterizará quem os governa. O populismo é filho desse cansaço.

Nem era preciso aparecer nenhum ventura para percebermos o cansaço e o descrédito de um povo. Basta pensarmos que desde a primeira vez em que participámos em eleições livres a esta data, o número de pessoas que se desinteressou pelo voto octuplicou, o que, traduzido por miúdos, significa que a mensagem que a grande maioria do povo português quer fazer chegar aos seus políticos é, em linguagem simples e direta, a seguinte: ide todos bardamerda amais as vossas políticas.

Um dia destes assistimos a mais um caso daqueles de entreter, daqueles em que os protagonistas acham que a maioria não entende. E se calhar têm razão. O nosso primeiro ministro achou por bem não propor a recondução do presidente do tribunal de contas para um novo mandato. Choveu um chorrilho de comentários dos vários quadrantes insinuando que a não recondução estava relacionada com críticas apontadas por esse senhor num relatório, pondo em causa a transparência da utilização dos dinheiros que vão chegar da união europeia com vista à retoma pós-pandemia.

Segundo esse relatório, a proposta de lei do governo que pretende agilizar a contratação pública poderá “contribuir para o crescimento de práticas ilícitas de conluio, cartelização e até mesmo de corrupção na contratação pública”. Segundo o primeiro-ministro, o critério de não renovação de mandato para cargos de natureza judiciária, foi fixado pelo governo com o acordo do presidente da república, aplicando-se tanto a este cargo como à procuradora-geral da república. Só falta ouvir o senhor presidente do tribunal de contas. Veremos se ele irá à assembleia da república dar alguma explicação. Para mim, e se calhar para muitos portugueses, deveríamos acreditar nos juízes (desembargadores, conselheiros, presidentes dos tribunais, etc.). Digo deveríamos. Mas como? Que dizer de rui rangel, e luis vaz das neves (e de outros que não chega ao nosso conhecimento)? Eu poderei questionar: Será que, sabendo que não ia ser reconduzido no cargo, o senhor juiz presidente do tribunal de contas quis dar um ar da sua graça e apontar o dedo a situações que não apontaria caso fosse reconduzido?

E que dizermos dos casos sócrates, salgado, bancos, etc., etc.? É um cansaço mortal. É lógico que as pessoas deixam de acreditar. Para os populistas não é preciso mais nada, basta-lhes uma gorda fatia de abstencionistas. Depois é só servirem uma dose de retórica demagoga enfeitada com uns pozinhos de umas balelas quaisquer a um povo cansado de receitas que só servem para o espremer até ao canganho.

Não, eles não chegam ao poder pela força, chegam através do voto. E tanto faz que a abstenção chegue aos cinquenta como ao noventa por cento porque a lei eleitoral é cega nesse capítulo. Pior, se setenta ou oitenta por cento das pessoas não votarem e se dos vinte ou trinta por cento que votarem, a maioria votar populismo, o populista votado tem a faca e o queijo não mão para poder alterar a constituição a seu bel-prazer, como aconteceu, por exemplo, há uns anos na hungria.

Se tivermos em conta que os populistas têm neste momento uma arma prodigiosa para chegar à grande faixa de pessoas cansadas e persuadíveis, (veja-se o caso das eleições de trump e bolsonaro) poderemos dizer, sem nos enganarmos, que estamos perante uma situação deveras perigosa e que dentro em breve o planeta não será mais do que uma bola de conflitos imprevisíveis.

João Amaral

Sem comentários:

Enviar um comentário